Friday, December 3, 2010

Perda


Sabia que seria a última vez que olharia em seus olhos. Ele foi meu amor. Ele foi minha vida. Nós tivemos o que a maioria das pessoas passam a vida inteira procurando – amor de verdade, felicidade, companherismo incondicional e confiança. Estivemos  juntos por vinte e sete anos e lá eu estava, sentada ao lado da cama, segurando sua mão e olhando aqueles doces olhos castanhos. Não conversamos. Não precisava. Ambos sabíamos o que estava para acontecer.
Os problemas renais dele vinham ficando piores desde o ano anterior. Os médicos disseram que ele precisava de um transplante. Nenhum de seus três filhos era compatível. Sua esposa, vivendo num mundo de fantasia, nem sabia o que estava acontecendo. Então, veio como uma piada; meus exames mostraram que eu poderia ser a doadora. Eu, a amante, a intrusa. Irônico.
Ele nunca me prometeu nada. E eu estava perfeitamente feliz daquele jeito. Por um lado, eu tinha mais que ela. Ele não podia se separar, não com a doença tomando conta da sanidade e saúde dela tão rápido. Ele era um homem bom. E eu tinha seu amor, atenção, seu tempo. Tudo estava bem. Por vinte e sete anos, lidamos com tudo – a família dele, a minha, o julgamento da sociedade. Mas estávamos bem.
Nunca o deixei durante o tratamento. Quando soube que eu poderia ser a doadora, não hesitei. Fizemos a cirurgia e dei um pedaço de mim a  ele. Parecia tão natural, a coisa certa a fazer. Me recuperei muito rápido, mas ele teve complicações. Fizeram tudo o que podiam, mas ele não melhorava. Ele lutou pela vida por mais de um mês, mas todos sabiam que seria inevitável.
Não fui ao funeral. Sofri sozinha olhando para as flores desabrochando no nosso parque favorito. Por um momento, me senti perdida. A vida como eu a conhecia tinha acabado. Eu escolhi viver longe da minha família e perto dele. Não tive filhos. Estava sozinha. No entanto, depois de tanto tempo, aprendi muito com ele. E é isso que vai me levar adiante. Ele me ensinou a não me preocupar com o amanhã, porque se preocupar com o hoje era o bastante; e a não permitir que minha felicidade dependa de algo ou alguém. Com ele, encontrei alegria dentro de mim.  Estava feliz por termos tanta história, por ter feito tudo o que pude para ajudá-lo e por ter acabado. Ele não sofria mais. Nem eu. 

Ana Elisa Miranda

Texto inédito :) Não está no livro Qualquer dia desses (Lançamento dia 23 de dezembro na Loja Maçônica Luzes da Fraternidade e Justiça às 20h)

3 comments:

Brunno Souto said...

Que pena...muito bom.
Já estava com saudades dos seus textos. Texto novo é bom. O seus velhos já reli milhoes de vezes.

E não será lançado só no Brejo pq dia 21 será aqui em moc, ou não?

bjs

Renata Fonseca said...

Olá Ana Elisa,

descobri o seu blog por acaso e logo percebi que te conhecia de algum lugar. Temos uma amiga em comum! Acabei descobrindo pelo facebook.
Mas, bem...
me encantei pelos seus textos e resolvi seguir suas postagens. :)
Parabéns pelo blog e pelo livro!
A propósito... onde o encontro?

Eduardo Dias said...

Aii...adorei esse texto...qro escrever q nem vc quando eu crescer...hihi
muito bom...